'What's got four eyes but can't see?'* 'Mississipi'
Já se sabe que o sul dos Estados Unidos sempre foi reacionário,
racista, hipócrita e falso-moralista. Os grandes latifúndios,
com a utilização maciça de mão-de-obra escrava,
marginalizaram a população negra após a conquista
da sua liberdade, se é que se pode dizer que realmente a conquistaram.
A imagem de seres inferiores incapazes de raciocínio, somente
do uso da força, permeia a mente deturpada da estúpida
maioria branca. Hoje, talvez não exista a segregação
que havia no passado, com igrejas para brancos e igrejas para negros,
locais públicos divididos em espaços para brancos e para
negros, enfim, racismo declarado e exposto. Mas existe, com certeza,
o racismo velado e criminoso da raça pura, como se definem os
brancos, como se fossem cavalos ou cães de raça.
Em 1988, Alan Parker passa para o cinema a triste história da
insanidade sulista norte-americana no filme Mississipi em Chamas, baseado
em fatos reais, que foi indicado a diversos Oscars embora desmascarando
toda a sujeira americana.
Durante o Verão da Liberdade, em que estudantes universitários
do norte dos Estados Unidos partiram para o sul segregacionista na missão
de inscrever os negros para eleição, três jovens
ativistas dos "Direitos Humanos" desaparecem misteriosamente.
Dois agentes federais, um recém-formado, interpretado por Willem
Defoe e outro veterano do sul, feito por Gene Hackman, são designados
para desvendar o caso. No dia anterior à sua chegada, havia sido
incendiada uma igreja onde os negros congregavam, e ao chegarem na cidade,
durante a investigação, puderam perceber o racismo que
exalava dos brancos e subjugava à força os negros. Estava
infiltrado na Polícia local, na igreja, em todos os lares.
Depois de muito trabalho e de muitos feridos durante a investigação,
já que os negros com quem falavam, mesmo que por poucos minutos,
eram humilhados e espancados numa tentativa de intimidar mais ainda
a população, conseguem com a ajuda de um deles, que havia
perdido a família e não a esperança, descobrir
o carro dos jovens humanistas e depois seus corpos. Descobrem também
os culpados, dentre eles o xerife, o prefeito e o pastor da cidade.
Os sete envolvidos diretamente são presos e condenados, menos
o pastor.
ene Hackman e Willem Defoe estão sensacionais no filme. O primeiro,
no papel do agente Rupert Anderson e o segundo no do agente Alan Ward.
Ward é um agente do FBI que segue à risca os métodos
da agência e Anderson, com experiência no sul, não
segue regra nenhuma e usa a mesma arma do inimigo, a intimidação,
para resolver o caso. Como em qualquer filme holiudiano, o clima de
romance fica por conta do agente Rupert que se conversa bastante com
a com a esposa do deputado Pell, interpretada brilhantemente por Frances
McDormand, uma mulher justa, nada racista, que repudia seus atos, apanha
do marido e por medo, não o enfrenta nem denuncia.
Na vida real, em 2004, o Pastor Edgar Ray Killen, absolvido no julgamento
do caso que ocorreu em 1967, foi condenado a 60 anos de prisão.
Com 80 anos com certeza morrerá atrás das grades. A justiça
tarda mas não falha.
Mississipi em Chamas é com certeza um filme maravilhoso. Depois
de assisti-lo, é só ouvir People are People prestando
bastante atenção na sua letra e se preparar para o Especial
Depeche Mode de sábado.
No dia 20 de novembro é bom lembrar que não é só
um feriado a mais no calendário para descansar e curtir. É
um momento de se refletir sobre o que já passaram os negros e
pelo que ainda passam hoje, com o racismo camuflado, com intensidade
diferente de lugar para lugar, mas que permanece como uma sombra encapuzada
da escravidão em nosso dia-a-dia.
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FICHA
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"Mississipi
em Chamas"
Título original: "Burning Mississipi"
EUA, 1988, 122 minutos.
Gene Hackman - Agente Rupert Anderson
Williem DaFoe - Agente Alan Ward
Frances McDormand - Sra. Pell
Brad Dourif - Bernie Lomax
R. Lee Ermey - Prefeito Tilman
Gailard Sartain - Xerife Ray Stuckey
Stephen Tobolowsky - Clayton Townley
Michael Rooker - Frank Bailey
Pruitt Taylor Vince - Pruitt Taylor
Vince
Badja Djola - Agente Monkey
Kevin Dunn - Agente Bird
Tom Mason - Juiz
Direção: Alan Parker
Produção: Robert F. Colesberry
e Frederick Zollo
Roteiro: Chris Gerolmo
Música: Trevor Jones
Fotografia: Peter Biziou
Direção de Produção:
Philip Harrison e Geoffrey Kirkland
Edição: Gerry Hambling
Figurino: Aude Bronson-Howard
Estúdio: Orion Pictures Corporation
Distribuição: Orion Pictures Corporation
/ Metro-Goldwyn-Mayer
Desenho de Arte: John Willett
Genêro: Drama
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Curiosidades:
Anderson: Sabe, seu eu fosse negro, eu provavelmente
pensaria como eles.
Ward: Se você fosse negro, ninguém
daria a mínima para o que você pensa.
Xerife Ray Stuckey: Você gosta de beisebol, Anderson?
Anderson: Sim, muito. Sabe, esse é o único momento
em que um negro pode agitar um bastão na direção
de um branco sem começar uma revolta.
Ward: Vale a pena morrer por algumas coisas.
Anderson: Por aqui, é um pouco diferente: aqui, eles acreditam
que vale a pena matar por algumas coisas.
Deputado Pell:Você não tem o direito de estar
aqui. Isso é uma reunião política.
Ward: Não está me cheirando a reunião
política nenhuma.
Pell: Mas é uma maldita reunião política,
Hoover Boy**
Ward: Bem, até parece uma reunião política,
mas está me cheirando mais a Klan... com ou sem as fantasias
de Halloween.
* O que tem quatro olhos mais não consegue enxergar? Mississipi,
numa referência às quatro letras is> da palavra
Mississipi.O i é pronunciado como ai, que é
a mesma pronúncia da palavra eye, olho em inglês.
** Nome pejorativo dado aos agentes do FBI nos Estados Unidos.
Cris Maggio