Lembranças
Lojas de Discos dos anos 80 - Parte I

Verdade seja dita (e os colecionadores de disco de vinil concordarão): não há nada mais nostálgico do que entrar em um sebo de discos! Entrar em um desses sebos traz a tona aquela sensação inigualável que se tinha ao entrar em uma loja de discos na década de 80 para comprar algum (ou alguns) LP (EP, single etc) daquela banda ou grupo favorito.

Portanto, em homenagem aos amantes do vinil, relembrar algumas das maiores e mais conhecidas lojas do centro de São Paulo se faz necessário.

Bruno Blois – Fundada em 1957 pelo empresário Bruno Blois, era uma das maiores lojas de vinil do centro de São Paulo. Além de discos, também vendia aparelhos de som e assessórios, câmeras fotográficas e até videogame (vendiam Atari e seus jogos) e computadores (os primeiros modelos de computadores pessoais que eram novidade no início da década de 80).Essa era daquelas lojas que tinham cabines para escutar o disco antes de comprar.

Cresceu tanto que tinha 4 lojas de rua. A principal ficava na 24 de Maio, as outras 3 ficavam na D José de Barros (também no centro e pertinho da 24), na Pamplona (Jardins) e na Barão do Triunfo (Brooklin). Chegaram a abrir um a loja no Shopping Morumbi e uma no Center Norte.

Mas, infelizmente muitas lojas não resistiram aos tempos modernos e a Bruno Blois foi uma delas. As dívidas resultavam em praticamente 4x o faturamento e no início de 1996 entraram com pedido de concordata.

Wop Bop - Fundada em 1975 pelo empresário e jornalista René Ferri e Antônio Albuquerque, a loja era o templo do punk e New Wave e principalmente do rock nacional da década de 80. Começando na Galeria do Rock quando esta ainda era decadente e conhecida pelo nome verdadeiro (Grandes Galerias), a loja foi a real responsável por torná-la conhecida como "Galeria do Rock" e contribuiu imensamente para que se tornasse tão conhecida e reduto das lojas de discos de vinil. Depois de um tempo mudaram para a Rua Barão de Itapetininga.

Com o crescimento constante do cenário de rock nacional, Ferri criou o selo da Wop Bop e começou lançando a banda Violeta de Outono com o EP "Reflexos da Noite". O trabalho emplacou o sucesso de ambos e consolidou Wop Bop como um dos principais(para não dizer "O" principal) selos independentes de rock nacional da época.

Com o surgimento das grandes lojas de discos e CDs (muitas delas tinham muito mais facilidade para comprar os produtos das gravadoras) e mais tarde a criação do plano Collor, a Wop Bop (assim como muitos, principalmente os pequenos empresários) também sofreu as consequências e em 1993 fechou suas portas.

Hi Fi – Maior e mais antiga loja de São Paulo, a Hi-Fi foi fundada em 1956 pelo visionário Hélcio Serranona Rua Augusta, altura do número dois mil. Como era comissário de bordo na época, Hélcio aproveitava a oportunidade para trazer ao Brasil álbuns de artistas das paradas internacionais. Foi, inclusive, o responsável pela comercialização do primeiro álbum dos Beatles no Brasil. Quando ouviu o grupo pela primeira vez entrou em contato com a Odeon Records (fazia parte da EMI) para que os lançassem aqui. Como a gravadora não manifestou interesse pela dica do empreendedor, Hélcio decidiu resolver o problema sozinho: trouxe o álbum dos EUA para que pudesse vender em sua loja.

A resposta do sucesso da Hi-Fi foi quase que imediata, sempre cheia era também frequentada por grandes nomes da música brasileira, e de outras artes também, como Elis Regina, Chico Buarque, Raul Cortez, Loyola Brandão, entre outros. Até mesmo as rádios o procuravam para comprar discos que ainda não tinham mas queriam promover.
Na loja se via desde propagandas inusitadas até homenagens a artistas, como a coroa de flores na vitrine no dia em que Lennon foi assassinado.

Mesmo com todo sucesso e renome que tinha, em 2002 Hélcio decidiu se aposentar e fechar a loja. Disse que não se tratava da crise da indústria musical e nem de dívidas. Estava apenas cansado e cheio da música ruim que a maior parte do público de hoje aprecia. Os tempos são outros e as gravadoras no geral só visam o lucro e não mais a qualidade, portanto preferiu sair de cena para descansar e aproveitar mais a vida.

Baratos Afins – Foi quando o farmacêutico Luiz Calanca decidiu largar sua profissão para vender e trocar seus LPs que a sobrevivente Baratos Afins nasceu. A brincadeira deu certo, e muito! Começou em 1978 também na "Galeria do Rock" e está bem longe de acabar. Felizmente! Assim como a pioneira Wop Bop, lançou seu próprio selo e através deste lançou coletâneas e bandas que fizeram sucesso e trouxeram ainda mais notoriedade a loja.

Resistiu bravamente a onda das mídias digitais e downloads e hoje é responsável por vários eventos de rock e música no geral na cidade.

Calanca, diferentemente de muitos, não é apenas conhecedor e amante da música, mas tem visão realmente empreendedora e organizada, qualidades que o ajudaram a continuar na estrada e chegar ao patamar que chegou. Pelo andar da carruagem, ainda veremos a loja de pé por um bom tempo! Seu acervo é considerado o melhor e mais completo, e com o maior numero de raridades da música. Por conta disso, a variação de preços é bem grande. A procura de suas raridades é tão grande que até artistas internacionais visitam a loja para conferir quando estão no Brasil. Um exemplo é Chrissie Hynde, do Pretenders.

Para as novas gerações, a Baratos Afins é um bom exemplar da realidade vivida na década de 80.

Graças a lojas como esta, ainda podemos fazer uma viagem pelo tempo em uma das atividades mais prazerosas, comprar vinil! O gosto pelo vinil independe de qualidade e de qual versão traz maior fidelidade dos sons originais, se é a analógica ou a digital. Mesmo porque, esse assunto envolve inúmeras questões e rende uma discussão muito maior do que se pode pensar. A questão aqui é muito mais simbólica e subjetiva, envolve as lembranças e experiências de cada um. Posso sair com os dedos cobertos de poeira e a rinite atacadíssima por semanas, mas a vale a pena, e muito!!

Natascha Coelho